Estágio em Terapia Ocupacional: Uma Oportunidade de Aprendizado ou Precarização Disfarçada?

O curso de Terapia Ocupacional, assim como outras graduações da área da saúde, busca formar profissionais generalistas, humanistas, críticos e reflexivos. Uma parte fundamental dessa formação é o estágio, momento crucial para a aplicação prática dos conhecimentos teóricos adquiridos em sala de aula. Mas será que a realidade dos estágios, em especial os não obrigatórios, está alinhada com esse objetivo formativo? Ou estamos diante de uma precarização do trabalho, mascarada sob a capa da “experiência profissional”?
A Busca Pela Experiência Prática: O Estágio como Porta de Entrada
Para muitos estudantes de Terapia Ocupacional, o estágio não obrigatório surge como uma oportunidade de ouro. É a chance de colocar a mão na massa, de vivenciar o dia a dia da profissão e de se aprofundar em áreas de atuação que despertam maior interesse. A experiência prática, afinal, é um diferencial no mercado de trabalho e contribui significativamente para a construção da identidade profissional.
No entanto, uma pesquisa realizada com estudantes de Terapia Ocupacional de uma universidade pública do Centro-Oeste brasileiro revela um lado sombrio dessa busca por experiência. O estudo, que investigou a relação entre a prática profissional e o aprendizado em estágios não obrigatórios, identificou um processo de precarização do trabalho e a transformação do estágio em uma forma de subemprego.
A Realidade Nua e Crua: Abusos, Desvios e Sobrecarga
Os resultados da pesquisa são alarmantes. As estagiárias (todas as participantes se identificaram como mulheres) relataram situações de abuso, desvio de função e sobrecarga de trabalho. Muitas se sentiam desamparadas, sem o suporte adequado para lidar com as demandas do estágio. Em vez de um ambiente de aprendizado e desenvolvimento, o estágio se tornava um campo minado de exploração e frustração.
De acordo com o estudo, a motivação inicial das estudantes era a busca por experiência prática. No entanto, a realidade que encontraram foi bem diferente do esperado. Elas se viram realizando tarefas que não condiziam com sua formação, sendo cobradas por resultados que extrapolavam suas responsabilidades e trabalhando em condições precárias, sem a supervisão e o acompanhamento necessários.
A Importância de um Olhar Mais Atento: Formação em Risco
Essa realidade, infelizmente, não é exclusividade da Terapia Ocupacional. Em diversas áreas, o estágio tem se tornado uma forma de mão de obra barata, explorada por empresas que buscam reduzir custos em detrimento da formação dos estudantes. É fundamental que as instituições de ensino, os conselhos de classe e a sociedade como um todo estejam atentos a essa questão.
O estágio deve ser um ambiente de aprendizado e desenvolvimento, onde o estudante possa aplicar seus conhecimentos teóricos, desenvolver suas habilidades práticas e construir sua identidade profissional. Para isso, é preciso garantir que os estágios sejam supervisionados por profissionais qualificados, que as tarefas sejam compatíveis com a formação do estudante e que as condições de trabalho sejam dignas e adequadas.
As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) estabelecem um perfil profissional para os graduados em Terapia Ocupacional, com uma formação generalista, humanista, crítica e reflexiva. Essa formação deve ser baseada nos fundamentos históricos, filosóficos e metodológicos da terapia ocupacional e seus diferentes modelos de intervenção, fundamentada no rigor científico e intelectual.
A experiência do estágio profissionalizante, conforme citado na pesquisa, é o primeiro contato de estudantes de terapia ocupacional com o mercado de trabalho. Está relacionado com a formação no ensino superior pela possibilidade do aprofundamento em diferentes campos de atuação, dando ênfase à experiência prática. É a oportunidade de vivenciar a prática em terapia ocupacional e adquirir competências e habilidades próprias da ação profissional.
Um Apelo à Reflexão: O Futuro da Terapia Ocupacional em Jogo
É hora de repensarmos o papel do estágio na formação dos profissionais de Terapia Ocupacional. Precisamos garantir que essa etapa seja uma oportunidade real de aprendizado e desenvolvimento, e não uma forma de precarização do trabalho. O futuro da profissão depende da qualidade da formação dos nossos futuros terapeutas ocupacionais. Não podemos permitir que a busca por experiência se transforme em um pesadelo de exploração e frustração.
Fonte original: https://www.scielo.br/j/cadbto/a/qJpyyxT8MYRfthkpJRJrwsC/?lang=en